A minha rua

A minha rua.
A minha rua tem pedaços de mim e de outros, que trocamos em conversas de rua!
A minha rua tem estórias secretas, confidenciais e públicas! Estórias com risos, menos risos e ausência de risos!

A minha rua tem um nome e portas com números.
É importante ter um nome e porta com números, para orientar os amigos e o carteiro, que vem de motinha, partilhar a informação de cartas sem selos. Que pena não serem cartas com selos e manuscritas! Essas sim eram cartas com arte, surpresas e segredos!

A minha rua transporta pessoas com destinos, de um lado para o outro, e de outro para lado nenhum. Pessoas alegres, muitas! Outras, nem por isso!

A minha rua tem flores, tem o euromilhões e outros sonhos, tem retratos de comunhões solenes e casamentos, tem cheiros a laca e after shave, tem móveis antigos para pessoas antigas! Conheço-os todos! São da minha rua!

A minha rua tem um chisquito de arquitetura natural, muito verde, que alberga pássaros diurnos, aves noturnas, “agentes” da fé, e um escorrega que fala com os braços no ar: “aqui vou eeeeuuuuuu!...iaúúúúúúú´…”

A minha rua tem riscas de ferro, verticais, que limitam a liberdade dos jogadores da apanhada, da bola, da macaca… trrriiiiimmmmm… dos desenhos com ” a, e, i, o u”, da contagem do tempo, pelos dedos, para serem “como os grandes”, que, do outro lado da rua, leem o Cavaleiro da Dinamarca, Camões, Pessoa, e dão voltas com movimentos angulares aos encantos e desencantos das paixões, com beijos, abraços, equações, polinómios e funções.

A minha rua tem dois centros de saúde. Escondidos. Um para motas BMW, outro para motorizadas Florett.
As motas e motorizadas chegam encarquilhadas, empenadas, “cheias de artroses”, sem cor, sem brilho, enferrujadas, rotas, partidas, sem peças… chegam sem alma e sem coisa nenhuma!
Mãos d’arte e prazer, toc…toc…tlim…tlim…toc…tlim… pum…pum… tchhhh….toc…tátátá… dão-lhe alma, brilho e cor!  
Na reta da minha rua,  rrtotototototto…… brrmrmmrmmm para lá, brrmrmrmrmmrmr para cá…
Está pronta a ter alta!
Gostava de ter um médico assim!

Do alto da minha rua, bebo café com as duas mãos, sigo o movimento aparente do Sol e dou-me á noite.
A minha rua não tem fim!
Um dia destes vou da minha rua até Roma! A pé!

6 comentários:

Sara disse...

Zé, não sei se é por conhecer a tua rua, se é por ter sido uma dessas "jogadora de bola" e também "dos grandes", mas simplesmente adorei este texto! Que coisa mais bem escrita, caramba! :) A magia das nossas ruas é qualquer coisa... :) Um beijinho * (Sara C.)

Celeste disse...


Obrigada por me mostrares que a tua rua, tantas vezes minha porque por aí passo, diariamente há 20 anos, tem tanta coisa! E também te tem a ti, que tão bem a descreves.
Beijinho

Celeste

meia bota, bota e meia disse...

Sara e Celeste obrigado pelo vosso mimo. Fico contente por tambem ser a vossa rua.
uma reta de beijos.

Anónimo disse...

Oh Zé, não pude deixar de partilhar no meu FB (https://www.facebook.com/ondinaaveiro)...
É que esta também é a minha rua, a minha gente, as minhas lojas, os mesmos nºs de porta e os mesmos sons escolares...
Obrigada pela magnífico texto!
Bjinho,
Ondina

passodeacerto,blogspot.com disse...



Na tua rua mora um poeta que tem no seu olhar todos os motivos para neste poema tão bem a descrever. A tua rua tem uma casa, onde sempre preferes ficar. Pelas pelas outras simplesmente andas a pé e nunca com o mesmo olhar.
Abraço e obrigado pela tua poesia em prosa.
(mário)

lucia batista disse...

Não sei se conheço a tua rua, mas já a imagino muito bonita, pela forma como a descreves.A beleza está nos olhos de quem vê.
A descoberta do teu blog veio mesmo a calhar. Nada acontece por acaso, não é verdade?
Abraço grande